domingo, abril 08, 2012

O CAVALHEIRO QUE ODIAVA AS PRINCESAS


– Nunca vou querer casar-me com uma princesa. Dão-me nojo todas... São doidas, melindrosas e nem sabem beijar –disse tudo convencido o cavalheiro Arnoldo Lexicónio, famoso pelas suas façanhas ao longo dos desertos africanos e asiáticos, possuidor do título de maior caçador de dragões da sua época.

Perante aquelas palavras, a sua mãe, que sempre o acompanhava nas suas campanhas, ficou petrificada. A sua mãe era uma mãe dessas que achava que o seu filho sem ela era um inútil e que, portanto, tinha que o acompanhar a toda a parte, como se fosse a sua sombra, porque um cavalheiro andante, por muito valente que for, precisava de alguém que lhe lavasse a roupa, lhe preparasse as refeições e lhe acariciasse a cabeça antes de dormir. Mas ela via-se velha e sabia que, no futuro, o filho haveria de casar com uma princesa –os cavalheiros sempre casam com princesas e chegam a ser reis–, mas aquele filho seu não queria. Como era possível? Onde se vira uma coisa assim?

– Então, meu filho, como podes estar tão seguro que não queres casar com uma princesa? –perguntou cheia de angústia a mãe.

– Mamã, todas as noites sonho que me beija uma princesa e asseguro-te que é a coisa mais nojenta que tenho sentido na vida –respondeu o filho pondo a maior face de nojo que um possa imaginar.

– Mas são apenas sonhos, meu rei –tratou de justificar a mãe.

– Pode que sejam sonhos –disse ele–, mas eu sinto-os muito reais. Sinto uns lábios que se me achegam, que me beijam e começo a sentir tanto nojo. E vejo que se trata de uma princesa com a boca muito grande e cheia de baba e uns olhos imensos, como de peixe...

Por isso, quando o cavalheiro Arnoldo Lexicónio salvou o reino de al-Gharbia de uma família de dragões anões –que são muito perigosos, porque embora sejam pequenos, atacam em equipa–, o rei Ahmed IV quis dar a mão das suas três filhas ao cavalheiro, mas este não aceitou. O rei sentiu-se humilhado por ter sido rejeitado aquela prenda tão generosa e mandou os seus guardas contra o cavalheiro.Este, apesar de ter sido um heroi, foi enviado à prisão no meio do deserto, com a sua mãe e a sua inseparável dromedária Saltadunas. O rei lançou uma ameaça:

– Ou casas com uma das minhas filhas, ou ficas aí até o fim da tua vida.

Que situação tão triste era aquela para o bravo cavalheiro Arnoldo. Preferia mil vezes lutar contra dragões e criaturas perigosas do que ter que decidir com que princesa devia casar. Mas o pior de tudo era ter que aturar todo o tempo as lamentações da sua mãe:

– Vês, meu filho? Já te disse há muito tempo que tinhas de casar-te com uma princesa. Assim temos chegado a este ponto e agora nem sei se conseguiremos sobreviver...

Mas o cavalheiro não dizia nada, apenas sentava-se todo o dia acima de uma rocha e via como passavam as horas. Só contava com a amizade da sua dromedária que ficava ao seu lado todo o tempo. Porém, algo terrível continuava a suceder pelas noites: continuava a sonhar que era beijado por diversas princesas, todas elas feias, de grandes bocas e olhos de peixe... Aqueles pesadelos repetiam-se todas as noites. Era tão infeliz...

Mas a vida naquela prisão do deserto era muito tediosa. O cavalheiro Arnoldo não podia passar todo o tempo a sonhar de noite com princesas nojentas e de dia a olhar para a areia, embora sua mãe fosse capaz de surpreendê-lo a cada dia com pratinhos deliciosos. Fez saber ao rei que aceitaria a mão de uma das princesas, filhas dele. O rei, muito contente, comandou trazer o Arnoldo, a sua mãe e a dromedária. As princesas, cobertas com véus, não eram visíveis. Nem os olhos delas se viam. Iam as três vestidas iguais, com tecidos de algodão, e tinham a mesma altura.

– Ó, rei, não sei qual escolher. Nem posso ver-lhes os olhos –disse o cavalheiro.

– Tem que ser assim –explicou o rei–. Assim o diz a nossa religião. Mas também podes casar com as três, se quiseres.

– Bom rei Ahmed, é a minha religião que não me permite casar-me com três  mulheres.

– Então casa-te com duas...

– Também não. Só posso casar-me com uma.

– Pois é. Mas temos que arranjar isto de alguma maneira.

– Temos. Majestade, eu proponho que sejam as vossas filhas que decidam qual quer comigo casar.

O rei ficou muito surpreendido. Isso não era o costume. Mas também não havia qualquer lei que dissesse que uma princesa não podia escolher com que cavalheiro podia casar-se. 

As princesas foram consultadas. Elas concordaram, mas pediram ser beijadas durante a noite pelo cavalheiro às escuras, para pelo beijo uma delas poder escolher o cavalheiro. O rei concordou com aquela proposta.

Quando chegou a noite, o cavalheiro levantou-se para ir até o quarto da primeira princesa. Como estava tudo tão escuro, perdeu-se e acabou nos estábulos. Por causa do calorzinho delicioso que ia lá dentro, caiu na palha e adormeceu logo. Quando amanheceu, encontrou-se rodeado de vacas que olhavam para ele com olhos ternos.

Pela manhã, foi convocado pelo rei. O cavalheiro ia explicar que não pudera cumprir a sua encomenda, mas antes de ele falar, já o rei tinha pedido às princesas que falassem.

– Fostes beijadas pelo cavalheiro, ó minhas filhas?

– Fomos –responderam elas ao mesmo tempo.

– E qual de vós quer casar com ela?

– Eu não –disse a primeira.

– Eu não –disse a segunda.

– Eu não –disse a terceira.
Tanto o rei quanto o cavalheiro ficaram com a boca aberta. O rei pensava que aquilo era muito estranho, mas o cavalheiro pensava que era mais do que estranho, era sinistro, porque ele não beijara nenhuma princesa.

– Por que, ó filhas, não quereis casar com o cavalheiro nenhuma de vós?
A resposta foi única:

– Porque ele beija com uns lábios enormes cheios de baba e uns olhos de peixe que dá nojo.

O cavalheiro, ao ouvir aquelas palavras, lembrou a descrição dos beijos dos seus sonhos.

O rei, homem justo, decidiu então:

– Como as minhas filhas não querem casar-se contigo, és livre para ir embora com a tua mãe e a tua dromedária.

– Sois um homem muito justo, ó rei Ahmed –respondeu o cavalheiro Arnoldo. Ficai em paz, vós e o vosso reino.

E o cavalheiro foi embora, com a mãe e a dromedária Saltadunas, mas naquela mesma noite, já no deserto, voltou a ter os mesmos pesadelos de ser beijado por uma princesa feia como uma legião de bruxas, pelo qual tornou a sentir muito nojo cada vez que era beijado em sonhos... E assim seguiu durante muito tempo, com pesadelos semelhantes todas as noites, enquanto nem suspeitava que os beijos não eram imaginados, mas reais, e que era a sua própria dromedária que o beijava todas as noites quando ele já roncava placidamente. Porém, a mãe do cavalheiro, não parava de dizer-lhe que já eram horas de ele deixar de ir matando dragões e dedicar-se a procurar esposa.

E encontrou-a. Afinal o cavalheiro apaixonou-se duma criadora de dromedários, o que despertou os ciúmes de Saltadunas. Porém, essa é já outra história.


© Frantz Ferentz

Sem comentários: