sexta-feira, maio 09, 2014

AS BOLAS DE PÓ MUTANTES

    Quando a Manuela veio a almoçar a minha casa com o seu cão, a primeira coisa que lhe adverti foi:
    — Não deixes o teu cão solto por aqui. O meu lar é uma reserva natural de bolas de pó. 
    A Manuela, como cabia esperar, não o levou a sério, achou que era uma brincadeira minha. Aliás, ela não podia almoçar comigo e segurar a corda do cão. Portanto, deixou-o solto. E o cão, por instinto, comeu várias das bolas de pó do meu corredor, as mais formosas, as maiores, eram de uma categoria particular que requer condições muito especiais de temperatura, luz e falta de higiene nessa parte da casa para elas crescerem em boas condições.
    Após um bocado veio o cão da Manuela espirrando. Eu bem logo suspetei o que tinha acontecido:
    — O teu cão não terá comido bolas de pó do meu corredor, espero...
    — E quê, se comeu alguma? Seria bom para ti. Já não terás que passar mais o aspirador —replicou-me ela.
    Eu não disse nada. Não queria discutir com a minha amiga, mas o seu cão acabava de cometer um erro do que se arrependeria toda a sua vida, com certeza.
    Depois do almoço, a minha amiga foi embora com o seu cão. Eu nem quis ver o estrago que o animal tinha causado na minha reserva natural de bolas de pó, da qual eu estava tão orgulhoso. Porém, recebi um telefonema dela três horas mais tarde.
    — Olha, o meu cão não está em casa —disse-me toda cheia de angústia—. As portas e as janelas estão todas fechadas, não sei onde é que pôde ir —estava prestes a chorar.
    Eu pensei um bocadinho. Visto que o seu apartamento mal fica a duzentos metros do meu, tive uma suspeita. Depois de acabar a conversa, fui ao corredor. E, com efeito, a minha suspeita confirmou-se. Lá estava o cão da Manuela, mas já não como um cão qualquer, mas como cão-bola-de-pó. Sim, as minhas bolas de pó tinham conseguido, depois de ser comidas, transformar o cão numa imensa bola de pó, como elas, até criarem uma criatura mista. E claro, elas, as bolas de pó, trouxeram de volta o cão para o seu habitat natural, isto é, o meu corredor.  



Frantz Ferentz, 2014

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