Nicomédio Lopes caminhava pela montanha numa manhã de sábado, como tanto gostava. Mas naquela altura, tomou um trilho desconhecido. Aliás, o nevoeiro fez com que se perdesse.
Caminhou e caminhou durante horas, sem saber de facto para onde é que ia, apenas notava que ascendia e ascendia, tanto que até pisou neve.
Procurou refúgio, porque a noite estava para cair. Felizmente encontrou uma cova, embora estivesse meio oculta entre o mato.
Como bom montanhista, ia bem fornecido. Tirou a lanterna da mochila. Estava bem abrigado lá dentro. Colheu lenha e acendeu um lume. Teria que esperar até ao amanhecer e depois voltaria para casa.
Com o lume já aceso, tirou pão e fiambre para jantar. E então uma voz muito suave nas suas costas, quase um sussurro, disse-lhe:
— Desculpe vossa mercê, não teria um pedaço de pão a mais.
O Nicomédio saltou cheio de pavor. A última coisa que ele esperaria seria alguém escondido na cova. Porém, quando se recuperou do susto, direcionou a luz da lanterna para o dono da voz.
Tratava-se de um homem miúdo, com barba e cabelo muito compridos, aparentemente vestido com farrapos, e muito magro, tristemente magro.
Parecia inofensivo. O Nicomédio partilhou o seu jantar com ele. O homem comeu como se não tivesse comido durante meses. Depois veio a hora das apresentações.
— Chamo-me Castor, Sua Excelência, e sou criado do nobre duque da Remotaria, o qual é bom e fiel vassalo do Nosso Senhor Ludovico XI e meio. Aconteceu que meu senhor e eu nos perdemos nestas serras e ele foi caçar uns coelhos. Pediu-me para eu ficar aqui a guardar os trevelhos do meu senhor.
O Nicomédio ia dizer que aquilo soava a brincadeira, mas algo dentro de si lhe dizia que não era.
— Tenho uma muito má notícia para si —disse o Nicomédio.
— Não me assuste, Sua Mercê.
— O Rei Ludovico XI...
— E meio —corrigiu o Castor.
— E meio, pronto, já morreu há cerca de quatrocentos anos.
O Castor ficou congelado uns instantes, depois sussurrou:
— Então, o meu senhor o Duque...
— Ele também.
Houve mais momentos de silêncio, até o Castor dizer:
— Então, já terminou o meu tempo aqui. Hei de procurar o meu senhor. Espero que ele me perdoe.
— Não lhe disse que ele está morto?
Mas o Nicomédio já não obteve resposta. O fiel criado deixou-se cair no chão, como num doce sonho, e largou o seu derradeiro alento delicadamente.
O Nicomédio colheu o acampamento e foi embora, não sem antes cobrir o corpo do Castor com uma velha manta feita de farrapos. Ninguém acreditaria uma história tão esquisita. Melhor seria não contá-la. Aliás, lá fora estava sol e a neblina já se tinha levantado.
© Frantz Ferentz, 2023
1 comentário:
Muito bom 👍
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