sexta-feira, novembro 24, 2023

PARANÁ 07: O CAVERNÍCOLA

 


Nicomédio Lopes caminhava pela montanha numa manhã de sábado, como tanto gostava. Mas naquela altura, tomou um trilho desconhecido. Aliás, o nevoeiro fez com que se perdesse.

Caminhou e caminhou durante horas, sem saber de facto para onde é que ia, apenas notava que ascendia e ascendia, tanto que até pisou neve.

Procurou refúgio, porque a noite estava para cair. Felizmente encontrou uma cova, embora estivesse meio oculta entre o mato.

Como bom montanhista, ia bem fornecido. Tirou a lanterna da mochila. Estava bem abrigado lá dentro. Colheu lenha e acendeu um lume. Teria que esperar até ao amanhecer e depois voltaria para casa.

Com o lume já aceso, tirou pão e fiambre para jantar. E então uma voz muito suave nas suas costas, quase um sussurro, disse-lhe:

— Desculpe vossa mercê, não teria um pedaço de pão a mais.

O Nicomédio saltou cheio de pavor. A última coisa que ele esperaria seria alguém escondido na cova. Porém, quando se recuperou do susto,  direcionou a luz da lanterna para o dono da voz.

Tratava-se de um homem miúdo, com barba e cabelo muito compridos, aparentemente vestido com farrapos, e muito magro, tristemente magro.

Parecia inofensivo. O Nicomédio partilhou o seu jantar com ele. O homem comeu como se não tivesse comido durante meses. Depois veio a hora das apresentações.

— Chamo-me Castor, Sua Excelência, e sou criado do nobre duque da Remotaria, o qual é bom e fiel vassalo do Nosso Senhor Ludovico XI e meio. Aconteceu que meu senhor e eu nos perdemos nestas serras e ele foi caçar uns coelhos. Pediu-me para eu ficar aqui a guardar os trevelhos do meu senhor.

O Nicomédio ia dizer que aquilo soava a brincadeira, mas algo dentro de si lhe dizia que não era.

— Tenho uma muito má notícia para si —disse o Nicomédio.

— Não me assuste, Sua Mercê.

— O Rei Ludovico XI...

— E meio —corrigiu o Castor.

— E meio, pronto, já morreu há cerca de quatrocentos anos.

O Castor ficou congelado uns instantes, depois sussurrou:

— Então, o meu senhor o Duque... 

— Ele também. 

Houve mais momentos de silêncio, até o Castor dizer:

— Então, já terminou o meu tempo aqui. Hei de procurar o meu senhor. Espero que ele me perdoe.

— Não lhe disse que ele está morto? 

Mas o Nicomédio já não obteve resposta. O fiel criado deixou-se cair no chão, como num doce sonho, e largou o seu derradeiro alento delicadamente. 

O Nicomédio colheu o acampamento e foi embora, não sem antes cobrir o corpo do Castor com uma velha manta feita de farrapos. Ninguém acreditaria uma história tão esquisita. Melhor seria não contá-la. Aliás, lá fora estava sol e a neblina já se tinha levantado.


© Frantz Ferentz, 2023


1 comentário:

Pedro.silva.lima27@escola.pr.gov.br disse...

Muito bom 👍