Cautelino Topaz reparou que a garrafa de refrigerante que estava a tomar tinha escrito na etiqueta: «Recicle-me».
O Cautelino odiava duas coisas na vida: receber ordens e reciclar.
E naquele domingo, durante o almoço num restaurante, as duas coisas estavam a acontecer ao mesmo tempo.
O Cautelino levou consigo a garrafinha porque não tinha terminado o refrigerante. E dez minutos depois passou ao lado de um terreno descampado. Aquele era o local perfeito. Lançou a garrafinha muito longe, enquanto lhe dizia:
— Recicla-te tu se quiseres.
E foi embora a rir. Mas, mal tinha caminhado duzentos metros, quando foi alcançado por um cãozinho vagabundo. Ele latiu e deixou a garrafinha plástica de refrigerante nos pés do Cautelino.
O homem ficou de boca aberta. Era mesmo a sua garrafa. E nesse momento, até ouviu uma voz que dizia: «Recicle-me».
Mas não, aquele episódio não ia impedir que ele fizesse o que quisesse. Portanto, um bocadinho mais longe, já perto de sua casa, atirou a garrafa num bidão cheio de porcaria no passeio.
O Cautelino teria jurado que ainda ouviu uma voz sair do bidão a gritar: «Recicle-me», mas novamente pensou que fosse a sua imaginação.
Contudo, a cada cinco passos virava a cabeça para trás para ver se por acaso aparecia o cão com a garrafa entre os dentes.
Mas não. Chegou finalmente ao portão. Nessa altura, a sua vizinha, a venerável anciã Dona Clotildinha, abria a porta com a chave, mas pesava muito para ela.
— Com licença, Dona Clotildinha —disse o Cautelino e abriu a porta.
— Muito obrigada, é muito gentil.
— Para isso servem os vizinhos.
— Desculpe lá, mas acho que perdeu isso —e apontou para o chão.
Quando o Cautelino olhou para o chão, teve que morder a língua para não gritar. Lá estava aquela garrafa. Como assim?
Quando subiu a casa, meteu a garrafa em um, em dois, em três, até em quatro sacos plásticos de lixo, um dentro do outro e despois colocou-os todos no contentor, mas não no dos plásticos, porque isso seria reciclar. E foi dormir.
De manhã foi abrir o caixão do correio enquanto ia para o escritório. Ficou congelado. Dentro estava a garrafa com uma nota adesiva: «Recicle-a, não seja sujo. Seu, o lixeiro».
Nessa altura, já não se surpreendeu, simplesmente se zangou muito. Lançou a garrafinha para o mar, que é onde termina a maioria do plástico.
Passou um dia e até dois. Finalmente o Cautelino desfizera-se da garrafinha. Mas no terceiro dia foi comer peixe no restaurante. Por um instante veio-lhe à cabeça que a garrafinha estivesse na barriga do peixe. Mas não, estava tudo certinho. Que alívio.
Bem, por fim a garrafinha era história. Mas de repente alguém lhe tocou as costas. O Cautelino virou-se. Tratava-se de um pescador com uma expressão iracunda, o qual, sem dizer uma só palavra, colocou a garrafa na mão do Cautelino. Estava cheia de algas. A seguir, o pescador foi embora a caminho do porto.
— Não posso mais —rendeu-se o homem.
— Recicla-me —disse a garrafinha.
— Isso nunca!
&&&
Uma semana mais tarde, a mãe do Cautelino foi visitar o filho.
— Que lindo tens tudo, filhote —disse enquanto reparava nas novidades da decoração—. Gosto muito dessa garrafinha que tens reciclada em vaso, com essas flores feitas com rolhas...
— Não digas parvoíces, mãe. Eu nunca reciclo, eu reutilizo!
© Frantz Ferentz, 2023
Sem comentários:
Enviar um comentário