sexta-feira, novembro 24, 2023

PARANÁ 11: RECICLE-ME

 


Cautelino Topaz reparou que a garrafa de refrigerante que estava a tomar tinha escrito na etiqueta: «Recicle-me». 

O Cautelino odiava duas coisas na vida: receber ordens e reciclar. 

E naquele domingo, durante o almoço num restaurante, as duas coisas estavam a acontecer ao mesmo tempo. 

O Cautelino levou consigo a garrafinha porque não tinha terminado o refrigerante. E dez minutos depois passou ao lado de um terreno descampado. Aquele era o local perfeito. Lançou a garrafinha muito longe, enquanto lhe dizia:

— Recicla-te tu se quiseres. 

E foi embora a rir. Mas, mal tinha caminhado duzentos metros, quando foi alcançado por um cãozinho vagabundo. Ele latiu e deixou a garrafinha plástica de refrigerante nos pés do Cautelino. 

O homem ficou de boca aberta. Era mesmo a sua garrafa. E nesse momento, até ouviu uma voz que dizia: «Recicle-me». 

Mas não, aquele episódio não ia impedir que ele fizesse o que quisesse. Portanto, um bocadinho mais longe, já perto de sua casa, atirou a garrafa num bidão cheio de porcaria no passeio. 

O Cautelino teria jurado que ainda ouviu uma voz sair do bidão a gritar: «Recicle-me», mas novamente pensou que fosse a sua imaginação. 

Contudo, a cada cinco passos virava a cabeça para trás para ver se por acaso aparecia o cão com a garrafa entre os dentes. 

Mas não. Chegou finalmente ao portão. Nessa altura, a sua vizinha, a venerável anciã Dona Clotildinha, abria a porta com a chave, mas pesava muito para ela. 

— Com licença, Dona Clotildinha —disse o Cautelino e abriu a porta. 

— Muito obrigada, é muito gentil. 

— Para isso servem os vizinhos. 

— Desculpe lá, mas acho que perdeu isso —e apontou para o chão. 

Quando o Cautelino olhou para o chão, teve que morder a língua para não gritar. Lá estava aquela garrafa. Como assim? 

Quando subiu a casa, meteu a garrafa em um, em dois, em três, até em quatro sacos plásticos de lixo, um dentro do outro e despois colocou-os todos no contentor, mas não no dos plásticos, porque isso seria reciclar. E foi dormir. 

De manhã foi abrir o caixão do correio enquanto ia para o escritório. Ficou congelado. Dentro estava a garrafa com uma nota adesiva: «Recicle-a, não seja sujo. Seu, o lixeiro». 

Nessa altura, já não se surpreendeu, simplesmente se zangou muito. Lançou a garrafinha para o mar, que é onde termina a maioria do plástico.

Passou um dia e até dois. Finalmente o Cautelino desfizera-se da garrafinha. Mas no terceiro dia foi comer peixe no restaurante. Por um instante veio-lhe à cabeça que a garrafinha estivesse na barriga do peixe. Mas não, estava tudo certinho. Que alívio. 

Bem, por fim a garrafinha era história. Mas de repente alguém lhe tocou as costas. O Cautelino virou-se. Tratava-se de um pescador com uma expressão iracunda, o qual, sem dizer uma só palavra, colocou a garrafa na mão do Cautelino. Estava cheia de algas. A seguir, o pescador foi embora a caminho do porto. 

— Não posso mais —rendeu-se o homem. 

— Recicla-me —disse a garrafinha. 

— Isso nunca! 


&&&


Uma semana mais tarde, a mãe do Cautelino foi visitar o filho. 

— Que lindo tens tudo, filhote —disse enquanto reparava nas novidades da decoração—. Gosto muito dessa garrafinha que tens reciclada em vaso, com essas flores feitas com rolhas... 

— Não digas parvoíces, mãe. Eu nunca reciclo, eu reutilizo!


© Frantz Ferentz, 2023


Sem comentários: