sexta-feira, novembro 24, 2023

PARANÁ 13: QUESTÃO DE MEMÓRIA

 


O avião alcançou trinta mil pés de altura, que é o que os pilotos chamam de velocidade de cruzeiro. Portanto, tudo estava a correr muito bem no voo. Porém, de repente o capitão disse ao copiloto:

— Acabo de esquecer como é que se pilota o avião. 

O copiloto achou que era uma brincadeira, mas o capitão era o homem mais sério que conhecia, não se ria nem que lhe fizessem cócegas na planta dos pés. 

— A sério? —perguntou o copiloto. 

— A sério. Mas de repente sei tudo sobre como fabricar explosivos e fazer com que a casa de banho se torne uma bomba. 

O copiloto estava a tremer de medo, porque ele não era capaz de aterrar o avião, mas não o podia confessar porque causaria um ataque geral de pânico. Decidiu ir ter com a assistente, para tal colocou o piloto automático. 

Mas a assistente não teve precisamente uma reação muito profissional, pois lançou-se a correr pela cabine, enquanto gritava histérica:

— Algum passageiro a bordo sabe pilotar um avião? 

Os berros de pânico começaram logo. Mas no meio daquele sarilho, um passageiro pegou no braço da assistente e disse-lhe:

— Eu, eu sei pilotar. 

— O senhor é piloto? 

— Não, na verdade sou terrorista. Mas de repente esqueci tudo o que sabia sobre explosivos e agora sei tudo o que é preciso saber sobre como pilotar aviões. E não sei porquê. 

O copiloto e a assistente trocaram olhares. Ambos se entendiam sem palavras. Por alguma razão desconhecida, o piloto e o terrorista trocaram os seus conhecimentos. Porém, era muito urgente aterrar o avião. 

— O senhor está pronto para aterrar este avião? 

— Tenho a impressão de tê-lo feito mil vezes... Está bem, concordo. 

O terrorista aterrou o avião quase impecavelmente, o aparelho deu um pulo quando as rodas tocaram o chão. Os passageiros aplaudiram entusiasmados, porque lhes tinham salvado a vida. 

Mas depois chegou a hora das perguntas. Quem tinha causado a troca dos conhecimentos? Era evidente que quem o fez sabia das intenções do terrorista. Porém, fosse como fosse, o pulo da aterragem fez com que o bruxo ou bruxa a bordo perdesse o controlo dos seus poderes e assim um cirurgião de repente sabia tudo sobre a cria de caracóis, o criador de caracóis sabia tudo sobre técnicas de cabaleireiro, o cabaleireiro sabia tudo sobre a gramática do sânscrito, o linguista sabia tudo sobre colocar tijolos, o canteiro sabia de cor todas as leis penais do país, a advogada sabia tudo sobre mecânica de tratores... E assim foi como todos os passageiros perderam os seus conhecimentos e adquiriram os do seu vizinho de poltrona.


© Frantz Ferentz, 2023

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