O Francisco Fernandes era considerado o melhor poeta da sua geração. Todos consideravam que ninguém sabia fazer sonetos como ele.
Mas o seu reconhecimento não era muito antigo; apenas cinco anos atrás era um total desconhecido no mundo das letras.
O Francisco achava que tinha sido tudo coisa dos fados. Não existia a casualidade, mas uma série de acontecimentos conduziu-no a comprar aquela casa independente fora da cidade, com vistas a um pequeno bosque, onde as pessoas da zona pensavam que havia a maior quantidade de seres mágicos de todo o país. Mas não chegou lá por casualidade; chegou lá porque estava escrito no seu destino... bom, e também numa oferta muito boa que encontrara no jornal.
Fosse como for, o Francisco comprou aquela casa. Bem logo começou a desfrutar daquela brisa que atravessava o bosque e chegava até à sua janela. O trânsito ficava detrás, longe, mas ainda audível.
Adorava aquela casa. O ar e o sol impulsionaram a sua vocação poética. Escrevia perante a janela sempre aberta frente ao bosque. Mas mesmo assim era complicado, o Francisco tinha imensos problemas para encontrar as rimas. Quando lhe faltava toda a inspiração, encerrava os olhos e deixava que a sua mente passeasse pelo bosque, deixando-se penetrar pelos sons que buliam... Com certeza, os espíritos moravam lá.
O Francisco estava convencido de que no bosque moravam criaturas especiais. Sempre tinha acreditado nisso, sempre desde a sua infância. Mas tudo começou uma noite de lua cheia.
Aquela noite, depois de arranhar a cabeça até a desesperação com aquele soneto, deixou as folhas perante a janela, banhadas pelo luar. Foi dormir com a cabeça cheia de palavras que não rimavam de qualquer maneira.
Na outra manhã, quando se levantou, encontrou umas manchas amarelas, como pequenas pegadas por todo o papel que tinha deixado embaixo da janela aberta. Mas não acabava lá a coisa. Todos os versos incompletos, para os quais não tinha encontrado qualquer rima eram completados, além disso, escritos com tinta de outra cor. O resultado era esplêndido, compondo um soneto espetacular cuja sonoridade era impressionante.
O Francisco seguiu a deixar sonetos incompletos ao pé da sua janela desde aquele momento, durante cinco anos, ainda que nem sempre obtivesse resposta. Aquele mistério era indecifrável, mas quando acontecia que os seus sonetos incompletos eram terminados por aquele ser misterioso que entrava pela sua janela aberta –as suas pequenas pegadas sempre amarelas ficavam no papel–, o resultado era um soneto da mais alta qualidade.
Mercê àquela ajuda dos seres mágicos do bosque, o Francisco começou a reunir os sonetos e aos poucos começou a publicar livros de sonetos. A crítica logo falou dele e foi considerado o melhor escritor de sonetos do momento.
Possivelmente teriam corrido muitos anos assim, sem nada ter mudado. O Francisco deixava pela noite o soneto começado acima da mesa perante a janela e pela manhã este podia aparecer completado.
Nunca, em qualquer momento, quis o Francisco ver como era aquela criatura que se achegava pela noite até a sua casa. O único ruído humano que o poeta escutava pela noite lá perto de sua casa era apenas o caminhão do lixo. Uma coisa nojenta, sem dúvida, mas apenas durava uns minutos e depois apenas se ouvia o silêncio daquele bosque mágico.
Mesmo teve a tentação de registar a cena da chegada daquele ser misterioso com uma câmara de vídeo. Se calhar podia disfarçá-la um bocadinho para o ser não se dar conta da sua presença. Seria impressionante registar um ser do bosque que era capaz de exprimir tanta beleza sobre o papel. Contudo, ele, o Francisco, também tinha o seu mérito; de fato, ele tinha mais mérito, porque era ele que começava o poema. Sem a sua intervenção simplesmente não aconteceria nada.
Finalmente decidiu experimentar e averiguar que género de ser era aquele que o visitava de noite e que tinha tão alto bom gosto poético. Preparou a câmara, escondeu-a entre uns livros e deixou-a lá a registar.
Tentou-o duas ou três noites, mas o resultado foi nulo. Não aparecia ser algum, nem grande nem pequeno. Aliás, os poemas ficavam inconclusos. Se calhar, o ser mágico suspeitava que estava a ser espiado.
O Francisco retirou a câmara, mas a sua curiosidade era insuportável. Tornou a escrever, mas aqueles versos inconclusos eram mesmo pior do habitual. Eram muito fraquinhos, mas inclusivamente assim deixou-os pela noite baixo a lua a serem banhados pelo luar.
Até aquela manhã. O Francisco levantou-se e foi comprovar o que encontrava baixo a janela. Como tantas outras vezes, ele encontrou as pegadas amarelas que percorriam o papel. E também os versos concluídos. Mas encontrou também correções no papel, tratava-se de gralhas que o Francisco tinha cometido e que apareciam corrigidas. Com efeito, tinha gralhas próprias de um menino.
Mas não concluiu aí a surpresa. Ao lado da folha em que estava o soneto havia uma nota escrita com a mesma letra que fazia as correções e toda coberta de marcas amarelas. O Francisco pegou nela e começou a ler o seu conteúdo avidamente. Dizia assim:
Mas o seu reconhecimento não era muito antigo; apenas cinco anos atrás era um total desconhecido no mundo das letras.
O Francisco achava que tinha sido tudo coisa dos fados. Não existia a casualidade, mas uma série de acontecimentos conduziu-no a comprar aquela casa independente fora da cidade, com vistas a um pequeno bosque, onde as pessoas da zona pensavam que havia a maior quantidade de seres mágicos de todo o país. Mas não chegou lá por casualidade; chegou lá porque estava escrito no seu destino... bom, e também numa oferta muito boa que encontrara no jornal.
Fosse como for, o Francisco comprou aquela casa. Bem logo começou a desfrutar daquela brisa que atravessava o bosque e chegava até à sua janela. O trânsito ficava detrás, longe, mas ainda audível.
Adorava aquela casa. O ar e o sol impulsionaram a sua vocação poética. Escrevia perante a janela sempre aberta frente ao bosque. Mas mesmo assim era complicado, o Francisco tinha imensos problemas para encontrar as rimas. Quando lhe faltava toda a inspiração, encerrava os olhos e deixava que a sua mente passeasse pelo bosque, deixando-se penetrar pelos sons que buliam... Com certeza, os espíritos moravam lá.
O Francisco estava convencido de que no bosque moravam criaturas especiais. Sempre tinha acreditado nisso, sempre desde a sua infância. Mas tudo começou uma noite de lua cheia.
Aquela noite, depois de arranhar a cabeça até a desesperação com aquele soneto, deixou as folhas perante a janela, banhadas pelo luar. Foi dormir com a cabeça cheia de palavras que não rimavam de qualquer maneira.
Na outra manhã, quando se levantou, encontrou umas manchas amarelas, como pequenas pegadas por todo o papel que tinha deixado embaixo da janela aberta. Mas não acabava lá a coisa. Todos os versos incompletos, para os quais não tinha encontrado qualquer rima eram completados, além disso, escritos com tinta de outra cor. O resultado era esplêndido, compondo um soneto espetacular cuja sonoridade era impressionante.
O Francisco seguiu a deixar sonetos incompletos ao pé da sua janela desde aquele momento, durante cinco anos, ainda que nem sempre obtivesse resposta. Aquele mistério era indecifrável, mas quando acontecia que os seus sonetos incompletos eram terminados por aquele ser misterioso que entrava pela sua janela aberta –as suas pequenas pegadas sempre amarelas ficavam no papel–, o resultado era um soneto da mais alta qualidade.
Mercê àquela ajuda dos seres mágicos do bosque, o Francisco começou a reunir os sonetos e aos poucos começou a publicar livros de sonetos. A crítica logo falou dele e foi considerado o melhor escritor de sonetos do momento.
Possivelmente teriam corrido muitos anos assim, sem nada ter mudado. O Francisco deixava pela noite o soneto começado acima da mesa perante a janela e pela manhã este podia aparecer completado.
Nunca, em qualquer momento, quis o Francisco ver como era aquela criatura que se achegava pela noite até a sua casa. O único ruído humano que o poeta escutava pela noite lá perto de sua casa era apenas o caminhão do lixo. Uma coisa nojenta, sem dúvida, mas apenas durava uns minutos e depois apenas se ouvia o silêncio daquele bosque mágico.
Mesmo teve a tentação de registar a cena da chegada daquele ser misterioso com uma câmara de vídeo. Se calhar podia disfarçá-la um bocadinho para o ser não se dar conta da sua presença. Seria impressionante registar um ser do bosque que era capaz de exprimir tanta beleza sobre o papel. Contudo, ele, o Francisco, também tinha o seu mérito; de fato, ele tinha mais mérito, porque era ele que começava o poema. Sem a sua intervenção simplesmente não aconteceria nada.
Finalmente decidiu experimentar e averiguar que género de ser era aquele que o visitava de noite e que tinha tão alto bom gosto poético. Preparou a câmara, escondeu-a entre uns livros e deixou-a lá a registar.
Tentou-o duas ou três noites, mas o resultado foi nulo. Não aparecia ser algum, nem grande nem pequeno. Aliás, os poemas ficavam inconclusos. Se calhar, o ser mágico suspeitava que estava a ser espiado.
O Francisco retirou a câmara, mas a sua curiosidade era insuportável. Tornou a escrever, mas aqueles versos inconclusos eram mesmo pior do habitual. Eram muito fraquinhos, mas inclusivamente assim deixou-os pela noite baixo a lua a serem banhados pelo luar.
Até aquela manhã. O Francisco levantou-se e foi comprovar o que encontrava baixo a janela. Como tantas outras vezes, ele encontrou as pegadas amarelas que percorriam o papel. E também os versos concluídos. Mas encontrou também correções no papel, tratava-se de gralhas que o Francisco tinha cometido e que apareciam corrigidas. Com efeito, tinha gralhas próprias de um menino.
Mas não concluiu aí a surpresa. Ao lado da folha em que estava o soneto havia uma nota escrita com a mesma letra que fazia as correções e toda coberta de marcas amarelas. O Francisco pegou nela e começou a ler o seu conteúdo avidamente. Dizia assim:
Prezado senhor poeta. Há já cinco anos que estou a jogar consigo a este jogo de fazermos os poemas juntos. O senhor começa-os e eu acabo-os. Mas ultimamente observo que o senhor faz muitas gralhas. Parece que esqueceu as normas básicas da ortografia. Portanto, vou ter que lhe dizer que não vou continuar com este jogo. Lamento imenso, mas eu sou apenas um homem do lixo, esse é o meu trabalho, recolher o lixo. Gostava de jogar consigo a criar poemas, mas não me pode pedir que lhos corrija. Por isso, pedi que me deslocassem para o outro extremo da cidade, não voltarei a olhar pela noite para além da sua janela antes de recolher o seu lixo.
Com os melhores cumprimentos
O Francisco Fernandes ficou com cara de idiota depois de ler a carta.
Mas não pôde fazer nada.
No entanto, desde aquele dia, já não foi capaz de começar mais sonetos.
Mas não pôde fazer nada.
No entanto, desde aquele dia, já não foi capaz de começar mais sonetos.