Prosódio García dispôs-se a introduzir o seu cartão no multibanco. Marcou o código e espero que saísse a seguinte tela, a que dava opções de operar. Mas não aconteceu o que esperava. Não. Aconteceu algo inesperado.
Pela ranura das notas saiu um fuminho azul, que pouco a pouco foi tomando a forma de um ente, com cabeça gorda, corpo miúdo, mas sem pernas, porque em seu lugar tinha uma espécie de rabinho, como de pescado, mas sem nadadeiras ao final. O ente em questão, com os braços cruzados, disse:
– Olá, sou Abdul al-Ghandul, génio deste multibanco.
Prosódio não dava crédito. Um génio? E num multibanco? Apresar do estupor que lhe causava a situação, perguntou:
– Talvez os génios não vivam em lâmpadas?
– Pois, mas a minha foi roubada há tempo.
– E por que moras num multibanco? – inquiriu Prosódio.
– É uma longa história, mas vou-te contar resumidamente. Acontece que venho de um campo de génios no meio do deserto, mas num bom dia, ha alguns anos, uns caçadores de tesouros encontraram a minha lâmpada num templo subterrâneo. Trouxeram-me para cá na lâmpada e venderam-na. Limparam-na com terebintina, com o qual me expulsaram do meu lar, pelos gases, que são irrespiráveis até para os génios. Enfim, quando me dei conta, estava no meio da rua, sem a minha lâmpada. Quanto precisava de um lar urgentemente. Então vi que a gente ia aos multibancos para satisfazer os seus desejos. Não hesitei, fiquei a viver neste multibanco, porque aqui posso satisfazer os desejos das pessoas. No meu caso, estou associado ao teu cartão de crédito.
– Ah, muito bem – exclamou Prosódio –. Isso significa que te posso pedir três desejos, como nas fábulas?
– Claro!
Prosódio mantinha-se um pouco céptico. Suspeitava que aquilo tinha truque, que talvez se tratasse de um programa de câmara oculta, mas decidiu arriscar-se. Se era uma brincadeira, rir-se-ia; se não, quem sabe.
– Está bem. Este é meu primeiro desejo: quero ser rico, imensamente rico.
O génio sacudiu a cabeça e disse:
– Deixa-me dar-te um conselho de amigo: não peças dinheiro. Desde que moro no multibanco, sei como funciona isto. Verás, o Ministério das Finanças pode ficar com a maioria do dinheiro e, se não consegues explicar a sua procedência, até te pesquisarão, serás suspeito de narcotráfico, ou branqueamento de capitais, ou qualquer outro crime.
Prosódio ficou a pensar.
– E então, o que peço?
– Permite-me aconselhar-te – disse Abdul a o-Ghandul –. Pede só aquilo que desejes muito.
– Está bem. Quero: uma casa nova de três andares, um teco-teco para viajar onde eu quiser e... – lá ficou a pensar um momento.
– E? – perguntou o génio.
– É que não sei – hesitou Prosódio.
– Lembra – disse Abdul al-Ghandul –, algo que desejes muito.
– E o melhor amigo que se possa ter – concluiu Prosódio.
– Concedido.
Nesse momento, perante Prosódio apareceram três objetos: uma espécie de casa de bonecas, uma maqueta grande de um teco-teco e... uma espécie de androide. Mas os três objetos tinham algo em comum. Estavam feitos do mesmo material. Estavam fabricados com livros!
Prosódio ia dizer algo, ia pedir explicações a Abdul al-Ghandul, mas então, uma mão lhe agitou o ombro e acordou. Tinha adormecido de pé em frente ao multibanco. Uma senhora zangada disse-lhe:
– Acorde já, que outros queremos usar o multibanco.
Por trás de Prosódio havia já uma bicha considerável de gente a aguardar para levantar dinheiro. Que vergonha. Como podia ter tido aquele sonho ainda por cima de pé?
– Ouça – chamou a senhora indignada a Prosódio enquanto ia embora –, não se esqueça do cartão e dos dez euros...
Prosódio chegou a casa meia hora mais tarde. Meteu a chave na fechadura, abriu, avançou pelo corredor e... e quase se bateu contra o rosto da sua esposa, Plinia, que esperava por ele com cara de poucos amigos.
Ele tentou dar-lhe um beijo, mas ela afastou-se e grunhiu.
– Mas o que se passa?
– Que o que se passa? Vem e explica-me tu...
E sem mais, ela agarrou do antebraço o seu marido e levou-o até onde um momento antes estava o despejo, mas que já não era um despejo, mas uma biblioteca enorme, bem provista, com livros do chão até ao teto.
– E isto? ––perguntou Prosódio.
– Tu é que sabes. Veio aqui um sujeito azul, parecia saído de uma festa de disfarces. Disse que trabalhava para o banco e que vinha da tua parte. Deslizou-se em casa sem que eu o pudesse deter, esteve a bisbilhotar por toda a parte. Meteu-se no despejo, fechou a porta, soaram uns golpes, saiu e foi embora. Quando entrei no despejo, encontrei isso – e acenou para a biblioteca.
Prosódio compreendeu que não tinha sido uma alucinação. Tudo tinha sido real.
– E não te disse mais nada?
– Ah, sim – lembrou Plinia –. Antes de ir embora, disse que nos livros encontrarás todos os teus desejos e mais... e algo acerca de que eles são amigos que nunca falham e que neles está a autêntica magia. Podes explicar-me?
Mas Prosódio limitava-se a mordiscar as esquinas do cartão de crédito.
Frantz Ferentz, 2020