1. A LUDMILA APRENDE A CONDUZIR
A Ludmila ia a receber a sua lição de conduzir.
Estava muito nervosa, mas não por causa do carro, nem pela friagem que fazia lá fora, nem mesmo porque havia tanto trânsito que autos circulavam até pelos passeios e pelas cloacas com os faros anti-névoas.
Então, o que afligia à Ludmila?
Era o seu professor da escola de condutores.
Era un fulano feio, peludíssimo e com dois caninos inferiores que sobressaíam, até fazê-lo parecer um javali ou um ogro.
Mas o pior não era o seu aspeto, era o seu caráter.
Era capaz de fazer fugir um farol da rua ou de fazer o vento mudar de direção.
Aterrador, era aterrador.
A Ludmila não lhe tinha medo, mas não gostava da sua pouca educação.
Quando ela metia a terceira em vez da quarta, o professor gritava de tal modo que o teto do carro se alçava como a tapa duma lata de pêssegos em calda.
Ou quando ela errava com o pisca-pisca, ele lançava faíscas pelos olhos e fundia o vidro de frente do carro.
Mas a Ludmila fartou.
Durante a terceira sessão, decidiu dar-lhe uma lição.
Foi assim que a Ludmila desceu do carro e começou a empurrar nele para o estacionar, mas o professor reagiu largando um grito tal que ficaram sem folhas todas as árvores num rádio de cem metro e até um cão peludo ficou todo calvinho.
Depois, a Ludmila entrou no carro, olhou para o professor toda séria e disse-lhe:
- Olhe para si no espelho.
O professor olhou-se.
Por acaso teria uma nova verruga na ponta do nariz?
Ou talvez lhe teria saído um terceiro canino?
Pois não, ele via-se tão formoso como sempre.
- Está bom, continue -mandou à Ludmila.
A Ludmila meteu a primeira e começou a circular.
De repente o professor viu um passarinho a voar ao lado da sua janela.
E depois as nuvens, de algodão, batiam suavemente no focinho do carro, amorosas.
O professor, então já meio aterrorizado, olhou para fora.
A cidade via-se lá abaixo, tão pequenina, em miniatura...
Então, finalmente, percebeu que estavam a voar!
Quis gritar.
Mas nada saía pela sua boca.
E então, a Ludmila não guiava, pilotava, porque o carro se tornara numa espécie de aviãozinho.
Gostava de se meter entre as nuvens...
A viagem ainda durou meia hora.
Quis gritar.
Era bom isso de voar, não havia trânsito, nem semáforos, nem condutores cheios de pressa.
Finalmente a Ludmila aterrou suavemente no chão.
Ao professor tremavam-lhe as pernas, quase nem se tinha em pé e mesmo uma parte da suas sedas cairam-lhe pelo medo que tinha passado.
- Fique bem, professor. Até amanhã -despediu-se a Ludmila.
O professor ficou a olhar para ela, viu como se perdia de vista a caminha toda tranquila.
Ficou a pensar se tudo fora um sonho ou ser fora submetido a uma sessão de hipnose; ou se, realmente, aquela mulher era uma bruxa e era capaz de fazer voar igual uma vassoira do que um carro.
Mas ele ia ficar com a dúvida.
Por acaso, ia parar de gritar àquela mulher, não fosse que...
2. A LUDMILA FAZ O EXAME DE CONDUTORA
Ludmila saiu de casa toda decidida para fazer o seu exame de condução.
Fazia um bom dia, embora fosse inverno, o sol assomava-se.
Mas quando olho para o sol, descobriu que ele tinha cachecol.
Não podia ser, aquilo era muito estranho, mas na vida da Ludmila sempre aconteciam coisas muito estranhas.
Não disse nada disso.
Chegou ao local dos exames.
A examinadora era uma senhora com face de truta.
Era pena não ter uma cana e um anzol para lho deitar, se por acaso picava.
A Ludmila estava muito animada.
Acendeu o motor do carro e, de repente, ouviu-se um "atchis".
A examinadora com face de truta disse:
- Saúde.
- Eu não espirrei -disse a Ludmila
Mas a examinadora não fazia mais do que tomar notas como uma possuída na sua caderneta.
Então voltou a ouvir-se um espirro.
- Saúde -repetiu a examinadora.
Sem perder de vista a rua, a Ludmila olhou para o ceu.
O sol tinha claros síntomas de resfriado.
Levaba um cachecol comprido que flutuava e precisamente, quando um dos seus extremos caiu entre o passo dos peões e o semáforo.
E então ainda se ouviu outro espirro:
- Atchis!
Era incrível, mas então foi a Ludmila que disse:
- Saúde.
- Obrigada.
E passou a mão pelos narizes, embora fosse um gesto inconsciente.
Então, a Ludmila começou a subir pelo cachecol do sol, cujo extremo tocava o chão.
Subiu e subiu, e quanto mais acima estavam, mais calor fazia.
À examinadora começou a lhe sair fumo pelas orelhas.
Parecia uma cafeteira que mesmo fazia "fuuuuuuuuuuuu".
Finalmente, a examinadora esvaiu.
A Ludmila tinha guiado o carro até lá no alto, perto do sol.
Fazia um calor muito agradável.
Abriu a janela do carro, tirou umas pílulas de menta da algibeira e lançou-as para o sol enquanto lhe dizia:
- São caramelos para a gorja. Espero que te ajudem.
E o sol, grato, fez baixar o outro extremo do cachecole até o chão.
A Ludmila desceu devagarinho.
Quando a examinadora recuperou o sentido, já estavam no chão.
Mas infelizmente aterraram na Austrália.
A examinadora pareceu lembrar algo de uma visita ao sol.
Com certeza foram tudo alucinações.
Mas se contava aquilo a qualquer um, iam tomá-la por maluca.
A examinadora fitou para a Ludmila e disse-lhe:
- Você conduz muito bem, não é?
- Muito bem, minha senhora.
Então a examinadora molhou o carimbo e pôs o selo no documento do exame.
Dizia: "Aprovado, mas esta pessoa tem que conduzir apegada ao chão".
Aquela era uma explicação muito estranha que os polícias de trânsito não entenderiam.
E menos ainda se eram australianos.
© Texto: Xavier Frías Conde, 2011