sábado, junho 12, 2010

Aqui cheira a troll [+10 anos].- XFC

1



    - Aqui cheira a troll.
    Aquelas palavras tinham saido da boca da mãe do Alexandre.
    Tinha-as pronunciado na entrada do quarto do seu filho.
    Com efeito, aquele cheiro, se acaso era comparável a algo, era a uma cova de trolls.
    Não podia ser de outra maneira.Havia três dúzias de peúgas sujas espalhadas pelo chão, roupa que ninguém tinha recolhido desde havia dois anos -sem exagerarmos- e restos de coisas cuja natureza já era inqualificável.
    Mas nem só se tratava da porcaria que havia naquele quarto -o fedor alcançava três blocos para além do quarto-, mas ambém era terrível o aspeto do Alexandre.
    O Alexandre não gostava da higiene. Isso era uma coisa evidente. Parecia mais bem que a odiava com todas as suas forças.
    Os seus cabelos não foram cortados desde havia cinco anos, portanto alcançavam o seu rabo. Além disso, a cor da sua pele era impossível de determinar, porque nunca por ela passava o sabão nem caia a água do duche.
    Portanto, havia zonas onde a sua pele tinha a cor do tomate, outras em que parecia um campo de couves, outras em que a pele era amarela e poderia acontecer que se tratasse de um campo de fungos.
    Porém, baixo a roupa havia ainda zonas sem explorar.
    A mãe do Alexandre não aturava aquele fedor que saía do seu filho e do seu quarto.
    Tinha provado a fazer muitas coisas para obrigá-lo a se lavar, mas o único que tinha conseguido era fazê-lo passejar sob a chuva e deitar-lhe sabão por cima.
    Mas a mãe não se rendia. Não era normal que um menino de quinze anos fosse tão porco.
    Além disso, era impossível costumar-se àquele fedor.
    - Aqui cheira a troll... -tinha dito.
    E precisamente essa era a solução.


2


    Naquela manhã de sábado, o Alexandre acordou no meio do bosque.
    Não entendia como aquilo era possível. As suas últimas lembranças eram que ele tinha ido à cama por cima dum monte de roupa suja que, em teoria, estava sobre a sua cama, armazenada lá desde havia semanas.
    Mas se calhar, pensou ele, entre aquelas roupas havia um burato negro em miniatura que podia transportar as pessoas a locais diferentes.
    Essa ideia, a do transporte a locais diferentes, talvez também a épocas diferentes, tornou-se mais evidente quando descobriu que naquele bosque moravam creaturas que nunca tinha visto.
    Eram duas massas peludas que se aproximaram do Alexandre para o contemplarem com curiosidade. O rapaz não tinha visto seres semelhantes na vida.
    - Bung zapoum? -perguntou uma das bolas peludas.
    O Alexandre nem sabia se falavam com ele.
    Aliás, as línguas estrangeiras não eram o seu forte.
    - Alexandre Dias -disse o rapaz estendendo a mão para aqueles dois seres.
    Mas então pensou que, se calhar, eles nem tinham mãos.
    Porém, sim tinham.
    De baixo de uma das pelagens saiu uma mão, mas era também toda peluda.
    Aceitou o saúdo do Alexandre.
    O rapaz pensou que era muito sociável.
    As duas bolas de pelo fizeram acenos ao Alexandre para ele as acompanhar.
    O Alexandre levantou-se do chão e foi trás eles, atravessando campos de fetos.
    As bolas de pelo entraram numa cova. As paredes arredor da entrada estavam cobertas de muitas cores, como se alguém tivesse estado meses e meses a lançar frascos e frascos dos molhos mais variados: tomate, mostarda, vinagrete... Havia tantas cores que até parecia um quadro abstrato.
    O Alexandre pensou que, à fim, ia poder viver num local onde ninguém lhe diria que ia feito um porco e que cheirava a alento de demônios.
    Sem hesitar, seguiu as duas bolas de pelo para o interior da cova.



3


    O interior da grota era uma habitação de trolls. Tratava-se de um tribo deles que morava ali, composta por uns dez membros, todos eles bolas de pelo muito grandes que se comunicavam por grunhidos.
    - Fixe! - o primeiro pensamento do Alexandre foi que ia gostar do local. Tudo estava totalmente desarrumado, ali havia um caos absoluto e ninguém punha ordem, ou pelo menos tentava pô-la, como fazia a coitada da sua mãe inutilmente.
    O Alexandre pensou que ia morar muito contente naquela cova com os trolls. Mas mesmo o cheiro que eles depediam era muito forte. O próprio Alexandre, costumado a cheiros nojentos, tinha dificuldades para aturar aqueles que havia.
    Acontecia que aquilo estava cheio de restos de vacas, de coelhos ou de outros animais irreconhecíveis pelo chão, os quais produziam o fedor horrível.
    Quando chegou a hora do almoço -um par de trolls apareceram com uma ovelha que parecia que tinham caçado-, todos lançaram-se acima dela como lobos para a comer, mas crua!
    O Alexadre começou a pensar que talvez não era aquele o local onde gostaria de passar o resto da sua existência, embora tivesse sido acolhido tão cordialmente pelos trolls, que o consideravam um membro mais da sua tribo. Não eram mesmo capazes de assar algum troço da ovelha e comê-lo como as pessoas normais?
    Mas a coisa ainda se complicou mais quando, depois do almoço, os trolls foram todos dormir uma soneca. Aquilo parecia uma tradição. O Alexandre ficou numa esquina algo afastado.
    Então uma bola de pelo acostou-se ao Alexandre. No início, o rapaz pensou que a bola gostaria de bater o papo com ele, mas logo pensou que os trolls não falam... bom, não falam humano. Então, se calhar, queria servir-lhe de almofada, porque com aquela pelagem devia ser muito fofinha.
    Mas de facto, o troll não ere ele, era ela.
    Tratava-se de uma troll que sentia muito interesse pelo Alexandre. Via-o tão lindo, com poucos pelos que, mesmo, cheirava bem, porque não emitia fedor como ela e os seus colegas.
    E a troll começou a ser muito carinhosa com o Alexandre, emitia mesmo sons ternos, como se for um corvo mimoso...
    A troll queria engatar com o Alexandre!!
    E o Alexandre saiu como um foguete da cova fugindo dela!!


4


    O Alexandre acordou coberto de suor na sua cama.
    Tudo tinha sido um pesadelo.
    Um horrível pesadelo.
    Ainda bem. Aqueles trolls eram nojentos mesmo para ele. Era complicado aceitar que se podia ser ainda mais porco do que ele.
    Levantou-se da cama e foi à cozinha. Cumprimentou a mãe.
    - Alexandre, meu filho, não vais tomar um duche hoje?
    - Puagh! Um duche? Não...
    E então entrou na casa do banho para fazer chichi.
    Olhou para o espelho, mas estava embaçado.
    Limpou-o com a manga.
    Mas lá não viu o seu rosto.
    Viu o rosto da troll que queria engatá-lo.
    - Ááááá -gritou apavorado.
    A mamãe veio ver o que acontecia. O Alexandre acenou para o espelho.
    Mas lá já não havia nada, apenas os seus próprios reflexos.
    Então, pela primeira vez na sua vida, o Alexandre disse:
    - Mamãe, vou tomar uma duche e depois vou ir ao cabeleireiro...
    A mamãe quis dar-lhe um beijo, mas preferiu esperar até ver o resultado, porque mesmo para uma mãe era complicado dar um beijo a um ser tão repugnante, embora for o seu filho.


EPILOGO


    Querem saber o que é que se esconde nesta história? Bom, de facto nada do que aconteceu foi casual. Tudo foi um plano elaborado pela mãe para convencer o seu filho de que devia lavar-se. Para isso contratou os serviços de um grande hipnotizador. Este submeteu o Alexandre a uma sessão de hipnose através da televisão -era um programa registado- que o fez acordar no bosque entre os trolls.
    O que ele viveu ali entre eles foi tudo imaginado. Quando acordou da sessão, já na sua cama, o hipnotizador tinha deixado no seu cérebro a instrução de que se decidia não mudar de comportamentos, é dizer, não tomar um duche, ele veria aquela imagem da troll namorada no espelho.
    Felizmente o plano da mãe tinha funcionado.
    O que ela não sabe é que, depois de ter decidido ser uma pessoa normal quanto à higiene, o Alexandre agora está a pensar em converter-se em  criador de tubarões em casa...
    Coitada a mãe.


© Xavier Frías Conde
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