O João Carapão olha pela janela.
Chove muito lá fora.
Chove imenso, tanto que as ruas semelham pequenos rios.
O João Carapão olha toda aquela chuva a cair sem parar.
Escuta as pingas caírem e fazerem “xoof-xoof”.
Mas ele não está triste porque chove.
Ele está triste porque perdeu a inspiração.
É terrível.
O João Carapão é compositor musical. Ele tem feito obras muito bonitas para orquestras.
Quando as pessoas soam as peças do João Carapão, os instrumentos vão harmoniosos, não soam como um conjunto de tolos a fazer ruído.
Mas assim eram as coisas antes.
Agora não.
Mesmo umas lágrimas caem pelo rosto do autor.
Começa a pensar que, se calhar, tem que abandonar a sua grande paixão: a música. Então lembra que, em criança, gostava da cozinha.
Bom, talvez é o momento de mudar de profissão.
Vai à cozinha e começa a preparar pratos. Apanha um livro de receitas e segue as instruções da omelete de cogumelos.
Bate os ovos, esmiúça os cogumelos, bota salsa aos punhados, confunde o sal com o açúcar, verte pimentão... Mas finalmente logra fazer a omelete...
Apanha o garfo e o garfo e começa a comer.
Puagh, que nojo de omelete!!
Tem um sabor terrível. Além disso, é possível que os cogumelos sejam venenosos, porque o João Carapão começa a sentir pruridos por todo o corpo e a sua face cobre-se de manchinhas vermelhas.
O doutor, quando o atende, diz-lhe que é uma intoxicação. Com efeito, os cogumelos eram venenosos, mas felizmente apenas um bocadinho venenosos.
Coitado o João Carapão. Tem que passar vários dias na cama.
Mas o pior é que ainda não descobriu qual é a sua verdadeira vocação.
Quando já se recupera da sua doença, decide experimentar com a pintura.
Na rua, segue a chover. Tantos dias a chover sem parar são terríveis, a gente perde a vontade de sair e o trânsito torna-se terrível.
Montado numa lancha de borracha, vai à loja e compra tudo o necessário para começar a cobrir uma tela de cores. Apanha o pincel e começa a bater para um lado e para outro, misturando tons e cores como um maluquinho.
Ele é feliz assim.
Mas quando acaba a sua obra, dá-se conta de que, além da tela, a metade do quarto está coberto também de pintura, pelo chão, pelos móveis, pelas paredes...
É um autêntico desastre.
Finalmente compreende que a pintura também não é o seu talento.
Mas ele segue determinado a experimentar mais coisas.
Fora, segue a chover com fúria, as ruas já são grandes rios.
Então começa escutar as gotas que caem no seu próprio quarto. Como vive numa casa humilde, a água da chuva escoa-se facilmente, mas com tanta chuva provavelmente até a casa de mais luxo teria acabado cheia de goteiras.
O João Carapão percebe que as gotas, ao caírem, têm ritmo.
Tem uma ideia. Coloca pratos, copos, garrafas e até uma frigideira no chão para as gotas caírem nos recipientes.
Mas não o faz para a água não molhar o chão. Na realidade, cada recipiente produz um som diferente quando a gota bate nele. De fato, após poucos minutos, as gotas, ao caírem, produzem uma percussão muito interessante.
O João Carapão fica contente. Aqueles sons já têm cadência, ritmo, são o início de uma composição.
Apanha o seu caderno, o lápis e começa a anotar o que ouve.
Para as pessoas normais, aquilo seria apenas uma coisa um bocadinho desagradável: são gotas a cair desordenadamente. Mas para o João Carapão soam muito harmoniosas.
Mas então o seu lápis perde a ponta. Procura outro em casa, mas não encontra nada.
Tem que apanhar outra vez a lancha de borracha e navegar até à loja para comprar outro lápis. É-lhe melhor comprar três para assim poder escrever mais sem se preocupar disso.
Quando volta, descobre que as gotas acabaram.
De fato está a parar de chover.
O João Carapão não está muito contente.
A sua composição ainda não está pronta. Como é que vai fazer?
Faltava-lhe tão pouco para ter toda a inspiração...
Finalmente sai o sol timidamente.
As nuvens vão-se retirando devagarzinho.
Os primeiros raios do sol começam a aquecer-lhe o rosto através do vidro da janela de sua casa.
O João Carapão olha para o seu caderno. Está cheio de notas que fazem todo o fundo de percussão de uma nova sinfonia, mas falta-lhe algo ainda.
Fica um bocadinho triste.
A inspiração, onde é que ela está?
Quando uns minutos depois tudo começa a voltar para a normalidade, os pássaros tornam a sair.
Pousam nos telhados, nas estátuas, nas árvores e até nalgum chapéu imenso de alguma senhora muito elegante que parece que leva um parque acima da cabeça.
De repente, os pássaros começam a cantar, já espalhados por toda a cidade.
É um grande prazer ouvi-los.
Talvez outro compositor poderia encontrar no cantos dos pássaros uma fonte de inspiração.
De fato o João Carapão tem colegas que passam o dia a ouvir os pássaros cantar nos parques públicos e nas lojas de animais de estimação, sempre com um caderno na mão, a tomarem notas dos sons produzidos por eles.
Mas o João Carapão descobre outra coisa.
Descobre os pássaros pousados nos fios da luz, a tomar o sol.
É uma fila muito comprida de cabos da luz que atravessam a sua rua, de um extremo para o outro.
São cinco fios paralelos.
Os pássaros pousam neles como querem.
Mas o João Carapão percebe que eles formam uma composição: os fios são o pentagrama e os pássaros são as notas.
Ele copia no seu caderno o que vê, traduzindo-o para a linguagem musical: dó, dó, mi, fá, ré...
E quando chega ao final da rua, é dizer, ao final da fila onde estão os pássaros, o João Carapão dá-se conta de que ainda lhe falta um bocadinho para acabar a sua composição.
Então tem uma ideia.
Põe-se a aplaudir desde a janela para os pássaros se espantarem.
Consegue-o. Os pássaros saem voando assustados, coitadinhos.
Mas após uns minutos, voltam a pousar nos cabos da luz.
E formam outra composição.
O João Carapão põe-se a copiar novamente.
E agora sim, agora já tem toda a composição.
E com o caderno completo, cheio de signos musicais, pentagramas, notas e até nódoas de molho de tomate, senta perante o piano e começa a soar.
Sai-lhe uma verdadeira sinfonia.
Soa muito bem. Agora o João Carapão fica contente, finalmente conseguiu criar uma nova peça e tem a certeza que terá muito sucesso.
E como lembrança das suas origens, põe-lhe um título bem estranho, mesmo misterioso: Sinfonia das gotas de pássaro...
Chove muito lá fora.
Chove imenso, tanto que as ruas semelham pequenos rios.
O João Carapão olha toda aquela chuva a cair sem parar.
Escuta as pingas caírem e fazerem “xoof-xoof”.
Mas ele não está triste porque chove.
Ele está triste porque perdeu a inspiração.
É terrível.
O João Carapão é compositor musical. Ele tem feito obras muito bonitas para orquestras.
Quando as pessoas soam as peças do João Carapão, os instrumentos vão harmoniosos, não soam como um conjunto de tolos a fazer ruído.
Mas assim eram as coisas antes.
Agora não.
Mesmo umas lágrimas caem pelo rosto do autor.
Começa a pensar que, se calhar, tem que abandonar a sua grande paixão: a música. Então lembra que, em criança, gostava da cozinha.
Bom, talvez é o momento de mudar de profissão.
Vai à cozinha e começa a preparar pratos. Apanha um livro de receitas e segue as instruções da omelete de cogumelos.
Bate os ovos, esmiúça os cogumelos, bota salsa aos punhados, confunde o sal com o açúcar, verte pimentão... Mas finalmente logra fazer a omelete...
Apanha o garfo e o garfo e começa a comer.
Puagh, que nojo de omelete!!
Tem um sabor terrível. Além disso, é possível que os cogumelos sejam venenosos, porque o João Carapão começa a sentir pruridos por todo o corpo e a sua face cobre-se de manchinhas vermelhas.
O doutor, quando o atende, diz-lhe que é uma intoxicação. Com efeito, os cogumelos eram venenosos, mas felizmente apenas um bocadinho venenosos.
Coitado o João Carapão. Tem que passar vários dias na cama.
Mas o pior é que ainda não descobriu qual é a sua verdadeira vocação.
Quando já se recupera da sua doença, decide experimentar com a pintura.
Na rua, segue a chover. Tantos dias a chover sem parar são terríveis, a gente perde a vontade de sair e o trânsito torna-se terrível.
Montado numa lancha de borracha, vai à loja e compra tudo o necessário para começar a cobrir uma tela de cores. Apanha o pincel e começa a bater para um lado e para outro, misturando tons e cores como um maluquinho.
Ele é feliz assim.
Mas quando acaba a sua obra, dá-se conta de que, além da tela, a metade do quarto está coberto também de pintura, pelo chão, pelos móveis, pelas paredes...
É um autêntico desastre.
Finalmente compreende que a pintura também não é o seu talento.
Mas ele segue determinado a experimentar mais coisas.
Fora, segue a chover com fúria, as ruas já são grandes rios.
Então começa escutar as gotas que caem no seu próprio quarto. Como vive numa casa humilde, a água da chuva escoa-se facilmente, mas com tanta chuva provavelmente até a casa de mais luxo teria acabado cheia de goteiras.
O João Carapão percebe que as gotas, ao caírem, têm ritmo.
Tem uma ideia. Coloca pratos, copos, garrafas e até uma frigideira no chão para as gotas caírem nos recipientes.
Mas não o faz para a água não molhar o chão. Na realidade, cada recipiente produz um som diferente quando a gota bate nele. De fato, após poucos minutos, as gotas, ao caírem, produzem uma percussão muito interessante.
O João Carapão fica contente. Aqueles sons já têm cadência, ritmo, são o início de uma composição.
Apanha o seu caderno, o lápis e começa a anotar o que ouve.
Para as pessoas normais, aquilo seria apenas uma coisa um bocadinho desagradável: são gotas a cair desordenadamente. Mas para o João Carapão soam muito harmoniosas.
Mas então o seu lápis perde a ponta. Procura outro em casa, mas não encontra nada.
Tem que apanhar outra vez a lancha de borracha e navegar até à loja para comprar outro lápis. É-lhe melhor comprar três para assim poder escrever mais sem se preocupar disso.
Quando volta, descobre que as gotas acabaram.
De fato está a parar de chover.
O João Carapão não está muito contente.
A sua composição ainda não está pronta. Como é que vai fazer?
Faltava-lhe tão pouco para ter toda a inspiração...
Finalmente sai o sol timidamente.
As nuvens vão-se retirando devagarzinho.
Os primeiros raios do sol começam a aquecer-lhe o rosto através do vidro da janela de sua casa.
O João Carapão olha para o seu caderno. Está cheio de notas que fazem todo o fundo de percussão de uma nova sinfonia, mas falta-lhe algo ainda.
Fica um bocadinho triste.
A inspiração, onde é que ela está?
Quando uns minutos depois tudo começa a voltar para a normalidade, os pássaros tornam a sair.
Pousam nos telhados, nas estátuas, nas árvores e até nalgum chapéu imenso de alguma senhora muito elegante que parece que leva um parque acima da cabeça.
De repente, os pássaros começam a cantar, já espalhados por toda a cidade.
É um grande prazer ouvi-los.
Talvez outro compositor poderia encontrar no cantos dos pássaros uma fonte de inspiração.
De fato o João Carapão tem colegas que passam o dia a ouvir os pássaros cantar nos parques públicos e nas lojas de animais de estimação, sempre com um caderno na mão, a tomarem notas dos sons produzidos por eles.
Mas o João Carapão descobre outra coisa.
Descobre os pássaros pousados nos fios da luz, a tomar o sol.
É uma fila muito comprida de cabos da luz que atravessam a sua rua, de um extremo para o outro.
São cinco fios paralelos.
Os pássaros pousam neles como querem.
Mas o João Carapão percebe que eles formam uma composição: os fios são o pentagrama e os pássaros são as notas.
Ele copia no seu caderno o que vê, traduzindo-o para a linguagem musical: dó, dó, mi, fá, ré...
E quando chega ao final da rua, é dizer, ao final da fila onde estão os pássaros, o João Carapão dá-se conta de que ainda lhe falta um bocadinho para acabar a sua composição.
Então tem uma ideia.
Põe-se a aplaudir desde a janela para os pássaros se espantarem.
Consegue-o. Os pássaros saem voando assustados, coitadinhos.
Mas após uns minutos, voltam a pousar nos cabos da luz.
E formam outra composição.
O João Carapão põe-se a copiar novamente.
E agora sim, agora já tem toda a composição.
E com o caderno completo, cheio de signos musicais, pentagramas, notas e até nódoas de molho de tomate, senta perante o piano e começa a soar.
Sai-lhe uma verdadeira sinfonia.
Soa muito bem. Agora o João Carapão fica contente, finalmente conseguiu criar uma nova peça e tem a certeza que terá muito sucesso.
E como lembrança das suas origens, põe-lhe um título bem estranho, mesmo misterioso: Sinfonia das gotas de pássaro...
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