O Xico ia para sua casa como sempre: a dar pontapés nas pedras, navegando por cima das poças e contando moscas.
Sempre que ele saía da escola acontecia a mesma coisa. Com tantos passatempos, demorava muito para chegar até a casa.
Ao porteiro sempre contava as mesmas desculpas engraçadas. Disse-lhe um dia:
– Hoje por diante da porta da passou uma cavalgada de hipopótamos e tivemos que esperar até passarem.
Outro dia:
– Retiraram a rua para limpá-la e tivemos que esperar até a porem outra vez.
E mesmo:
– Alguém mudou a porta de saída e aparecemos todos em Tóquio. Foi complicado voltarmos...
O porteiro, o Senhor Flores, não acreditava uma palavra do que o garoto contava, mas apontava todas as escusas numa caderneta para depois contá-las ao seu neto, que ria muito com aquelas ideias.
Mas houve um dia que foi diferente de tudo do resto dos dias. Após ter contado dez moscas e atravessado sete poças, desde os céus caiu-lhe algo na cabeça.
Não havia rasto nenhum de quem tinha feito aquilo.
Depois olhou para o chão e comprovou o que é que lhe tinha caído na cabeça: era uma chinela velha e meio descomposta, que cheirava como um queijo podre.
A chinela era muito feia, mas o Xico gostou dela. Recolheu-a do chão e pensou que aquele estranho objeto seria um ótimo amuleto. Estava certo de que lhe daria boa sorte.
– Olha, mamãe – gritou o rapaz enquanto entrou em casa–. Olha o que encontrei no meio da rua. É um tesouro, acredita.
E então mostrou-lhe a chinela.
A mãe pôs os dedos no nariz porque não aturava aquele fedor. Depois ordenou:
– Atira isso ao lixo!
– Mas é o meu novo amuleto. É que não gostas dele?
Com certeza, a mãe não gostava nem um bocadinho do novo amuleto.
O Xico foi à cozinha, mas não deixou a chinela no lixo, porque ele tinha a certeza de que aquele era um objeto mágico que lhe daria boa sorte.
No dia seguinte, o Xico foi para a escola. E fez o que fazia sempre: atravessar poças, contar moscas e dar bons pontapés às pedras.
Entre a novena e a décima moscas, entre a duodécima e o décimo terço pontapé, viu no chão uma nota de cinquenta euros. Estava sozinho, completamente abandonado, morto de frio, coitado.
– Que sorte tive – exclamou o rapaz –. Com certeza é a boa sorte que me dá a chinela.
Um bocadinho mais para a frente viu uma folha de papel a voar pelos ares na sua direção. A folha acabou no seu rosto.
O Xico pegou nela e viu que se tratava dos exercícios daquela mesma manhã para a escola... E estavam todos resolvidos!
Mas a coisa não acabou lá. Uns minutos depois foi parado por um senhor que tinha aspecto de maluco. Levava um microfone na mão e tinha o sorriso mais grande que o Xico tinha visto em toda a sua vida. Ao seu lado ficava um tipo com uma câmara de televisão que gravava tudo.
O fulano do microfone perguntou ao Xico:
– Sabes como é que se chama a capital da Arábia Saudita?
De facto o Xico nem escutara a pergunta. Estava a pensar na resposta de um exercício que começava dizendo: “a mecânica...” Por isso, involuntariamente, disse:
– A meca...
– Com efeito! – interrompeu o indivíduo com aspecto de maluco –. Trata-se d’A Meca. A capital da Arábia Saudita é A Meca! Ganhaste um prémio para duas pessoas e um cão a Los Angeles.
– A Los Angeles em California?
– Não, a Los Angeles Camping, que fica a vinte quilómetros daqui, porque nós somos uma estação de televisão muito humilde – explicou o maluquinho.
Depois daquilo, o Xico continuou o seu caminho para casa, mas antes de chegar, ainda lhe aconteceu algo curioso.
Tudo começou quando deu um pontapé a uma pedra no chão, como fazia tantas vezes durante o dia. Mas aquela saiu disparada como um projétil e bateu na têmpora de um ladrão armado com uma fuzil, que estava a assaltar um pobre senhor numa ruela escura.
O ladrão caiu no chão imóvel. E logo cresceu-lhe um vultinho engraçado no ponto exato onde foi batido pela pedra.
A vítima do assalto estava tão contente que deu ao Xico duzentos euros e um saquinho de caramelos de goma como sinal de agradecimento por ser salvado.
O Xico já não tinha dúvida de que aquela chinela lhe dava boa sorte.
Talvez era mesmo mágica.
Quando chegou a sua casa, contou todas as novidades à sua mãe.
– Isso é apenas casualidade. Mas pelo que estou a ver, ainda conservas essa porcaria de chinela. Atira-a já que cheira a demos!
A mãe tentou apanhar a chinela da mão do Xico, mas o filho foi mais rápido e escapou para a rua. Correu para fora da cidade, queria comprovar se ainda podiam acontecer mais coisas extraordinárias.
Mas durante o resto da tarde, já não aconteceu. Parecia que a chinela já não funcionava.
Estaria doente? Ou acontecer-lhe-ia como a lâmpada do Aladino que apenas podia cumprir três desejos e depois parava de funcionar?
O Xico olhou para a chinela pela traseira e pelos lados, mas não viu nada estranho, para além de que estava meio desfeita. Não compreendia o que lhe podia acontecer.
E então aproximou-se dele um velhote com face de lunático, vesgo e sem barbear com uma boina em forma de pirámide.
Caminhava descalço dum pé. Quando esteve ao lado do Xico, pegou na chinela da mão do rapaz sem pedir permissão e calçou-a no pé descalço.
Via-se que aquela chinela velha era a irmã da outra que levava o velhote.
– Obrigado por ma guardares – disse o homem ao Xico.
– Então, é sua?
– É. Caiu-me desde a varanda.
– Mas não funciona muito bem, não sabe?
– Pronto – respondeu o velhote a sorrir–. Tens que recarregar a sua energia. Ela funciona com a energia que produz o cheiro dos pés. Não vês que já não cheira? Tinhas que recarregá-la...
E depois das explicações, o velhote foi embora pelo mesmo caminho que tinha chegado.
O Xico ficou a olhar para ele um bocadinho apenado.
Decidiu voltar para casa. Mas de repente tropeçou com algo que sobressaia no chão. Tratava-se de um tubo metálico.
Teve um pressentimento.
Começou a escavar no chão até que descobriu que se tratava de uma velha azeiteira. Servia para engraxar as máquinas de coser.
O Xico estava seguro que aquela era uma azeiteira mágica, a versão moderna das lâmpadas mágicas do deserto, que concediam desejos...
Por isso, sem demora, começou a esfregar nela por um lado e...
© Frantz Ferentz, 1994
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