sexta-feira, abril 16, 2010

O sonho do Argimiro ou o pesadelo de uma cidade [+10 anos] .- XFC

    O Argimiro caminhava tranquilamente pela rua.
    Ia um dia lindo.
    Ele olhava para o céu.
    Mesmo de dia, via-se perfeitamente a lua, lá acima.
    Era tão redonda, tão brilhante, tão apetitosa...
    Ao Argimiro a boca fez-se-lhe água.
    Mas o menino ia tão concentrado na observação da lua que nem viu o vagabundo que estava sentado no passeio, com as pernas escarranchadas pelo chão.
    O Argimiro tropeçou nas pernas do homem e caiu para o chão.
    "Á, rapaz, olha por onde é que vais!", disse de mau humor o homem.
    "Desculpe... eu... é que...". O Argimiro nem pôde dizer nada coerente.
    O vagubundo, todo chateado, lançou-lhe uma maldição:
    "Que o que sonhavas se torne real!"
    Mas o que é que realmente sonhava o Argimiro?
    Bom, ele sonhava com uma bolacha gigante.
    Uma bolacha com forma humana, quase tão grande como a lua.
    Seria doce, cheia de proteínas -a sua mãe sempre lhe dizia que o que se toma para o pequeno-almoço tem que ter muita proteína porque é algo bom para o crescimento- e de gengibre.
    Ele seonhava que a bolacha imensa de que gostaria fosse tão grande como a lua.
    Mas mesmo uma maldição tem as suas limitações. Não podia ser.
    Por isso, quando o Argimiro chegou a sua casa, encontrou o seu sonho feito realidade.
    Ele morava numa casinha com um jardim cheio de vegetação.
    Lá no meio do jardim havia uma bolacha com forma mais ou menos humana, sentada a olhar para as pereiras e as macieiras do jardim.
    O Argimiro comprendeu logo que aquela bolacha tão grande -desde os pés até à cabeça devia medir pelo menos três andares.
    E como era o seu desejo convertido em realidade, entrou no jardim e acostou-se para a bolacha gigante.
    Desprendia um aroma delicioso.
    A boca do Argimiro era já uma piscina.
    Já estava para dar uma mordida na bolacha, quando ela compreendeu quais eram as intenções do garoto.
    Rapidamente alçou-se, saltou o valado e foi para a rua.
    Começou a correr pela rua a toda a velocidade, a qual não era pouca porque as suas pernas eram muito compridas.
    Mas era tudo um desastre.
    A bolacha corria por cima de carros, casas, árvores... Esmagava tudo.
    Em poucas horas podia ter destruído meia cidade.
    Mas o pior não foi a corrida, o pior foi que a bolacha gigante, por causa de tanto correr, começou a sentir fome.
    Embora as suas mãos não tivessem dedos, a bolacha gigante começou a comer tudo o que aparecia perante ela: árvores, casas, carros, contentores, cães... um desastre.
    As pessoas corriam todas, ninguém queria ficar ao alcance da bolacha gigante que ameaçava com destruir toda a cidade.
    O Argimiro corria trás dela como podia.
    Ele sentia-se culpável do que estava a acontecer.
    Tinha que encontrar uma solução.
    Mas qual?
    Então ouviu ao seu lado umas vozes.
    Tratava-se de umas vozes muito conhecidas.
    Eram vários dos seus colegas da escola que contemplavam aquela bolacha gigante com os olhos muito abertos.
    Nem podiam acreditar no que viam.
    O pior é que a bolacha crescia e crescia graças a tudo o que comia. Já media pelos menos cinco andares.
    O Argimiro nem se tinha dado conta que estava ao lado da sua escola, onde ainda muitos estudantes estavam a realizar atividades desportivas.
    Sem pensá-lo duas vezes, o Argimiro correu para o gabinete do diretor.
    Felizmente, o diretor tinha saído para a casa do banho, onde costumava passar bastante tempo, porque cada vez que ia lá lia dois ou três capítulos de um manual educativo em dez volumes.
    O Argimiro apanhou o microfone da mesa do gabinete e começou a falar para os seus companheiros:
    "Estudantes, venham comigo! Já viram esse monstro que está a esmagar a cidade, não é? Mas não tenham medo, porque ele está feito de bolacha! Garanto-vos que vão gostar dela!"
    Todos os estudantes que estavam na escola sairam a toda a velocidade para a rua.
    Em poucos minutos alcançaram o monstro de bolacha, que na altura estava a tentar comer uma carrinha de gelados.
    O Argimiro ainda encoragou os seus colegas e todos eles, mais de cinquenta, lançaram-se às pernas da bolacha gigante.
    Deram mordidas por toda a parte.
    Aos poucos, as pernas do gigante estavam desfeitas.
    E caiu.
    Brooomm.
    O estrondo foi enorme.
    Mas como já estava a bolacha gigante no chão, os garotos lançaram-se sobre ela e começaram a comer por toda a parte.
    Mesmo alguns cans e gatos vagabundos uniram-se à festa.
    Em meia hora, da imensa bolacha não ficavam mais que umas migalhas pelo passeio.
    A cidade estava salva.
    O Argimiro, já muito tranquilo, voltou para casa.
    Na altura ia pensando nas suas coisas, olhando para o céu, novamente para a lua, tão brilhante, tão linda...
    E então...
    Puum!
    Tropeçou novamente com o vagabundo de antes, o que lhe tinha lançado a maldição.
    Disse:
    "Que se cumpram outra vez os teus sonhos até que apreendas a caminhar pela rua!"
    E justo nesse momento, começou a chover água com savão acima do vagabundo, como um duche.
    Porque, precisamente, o que vinha pensando o Argimiro era que aquele vagabundo bem precisava de um bom duche com savão, porque embora fosse um bruxo, fedia muito mal.
    Mas o que aconteceu depois, já é outra história que vos contarei noutra ocasião.
    Até breve.


   
© Xavier Frías Conde
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