O Manuel tivera que passar muitas horas a olhar para o teito deitado na sua poltrona durante o tempo que estevo desempregado. Mas o facto de olhar para o teito durante meses e meses, mesmo anos e anos, permitiu-lhe aprender todo sobre as moscas.
Primeiro ficou a saber como se relacionam e a que estímulos respondem. As moscas, ainda que pareçam animais cochos que se alimentam de merda (com perdão), som animais mui limpinhos, que esfregam as patinhas para as limpar antes de comerem.
Comprovou, ademais, que as moscas de outono, aquelas que nascem na fim do verão e cuja sobrevivência se prolonga durante o outono, têm um comporta-mento especial, se calhar algo mais teimoso que o resto. Comprovou que são mais ousadas, que têm menos percepção do perigo e, por tanto, som as que mais incomodam.
Tanto –tantíssimo– tempo a observar moscas deu para muito, com certeza. E até foi o que lhe ajudou a conseguir trabalho. Si, porque o Manuel montou a sua própria empresa de liquidação de moscas de outono. Efetivamente, só trabalharia de outono na eliminação dessas moscas tão chatas que tanto incomodavam as pessoas.
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O Manuel recebeu um novo encargo duma família desesperada. Era a fim de novembro e ainda uma mosca morava no seu lar, resistente a qualquer método de eliminação tradicional. Uma mosca que incomodava ela soa como cinco moscas.
Quando premeu na campainha da casa, veio abrir-lhe uma senhora vestida com um saio, um gorro de lã e botas recobertas de pele de anho. Mentes falava, da sua boca saia bafo, o cal demostrava a friagem que ia naquele malfadado lar, provavelmente de vários graus baixo zero. A senhora, a tremer de frio, pediu-lhe que entrasse.
O Manuel comprovou como no interior da casa estava à mesma temperatura da rua. As janelas estavam todas abertas. O Manuel não precisou de explicações, bem logo soubo que aquela já era a decisão desesperada daquela família para se desfazer da mosca. Pensaram que, se ia a mesma friagem dentro que fora, a mosca acabaria morrendo congelada, mas nem aquilo estava a resultar, provavelmente os únicos que iam morrer ali eram os moradores do apartamento, de certo de pneumonia.
– Neste verão –explicou a senhora–, meu filho era um as. Capturava as moscas com as mãos e depois fazia bolinhas com elas. Creio que até alguma nos caiu na sopa, mas como dizem que têm muitas proteínas, não nos pareceu tão grave, mas agora esta soa mosca...
O Manuel assentiu. Passou para o salão, onde os dous membros restantes da família presentes no lar, um filho e uma filha, mostravam um aspecto lamentável, com mocos congelados a lhes pendurarem do nariz, como estalactites, ou mais propriamente como carâmbãos. Ambos deles estavam sentados no sofá, a tentarem ver um filme que passavam pola televisão, apeteirados embaixo dum cobertor, mas mesmo assim o cobertor saltava, sem dúvida por causa dos tremores daqueles dous graúdos.
– Tentamos com todo tipo de produtos químicos, aerossóis, até umas armadilhas para moscas que vendem pola internet... Mas todo foi inútil, a maldita mosca convive connosco desde ha duas semanas e a cada dia que decorre é mais inaturábel. Não sabemos como acabar com ela... O meu homem dixo que até a mosca não desaparecer da casa, ele não regressará e está a viver numa pensão do centro... Ajude-nos, por favor, ajude-nos.
– Serão cinquenta euros e vinte mais para o pagamento na zona azul, que o concelho aqui cobra bem caro o estacionamento.
– O que seja preciso, mas faga algo, faga já!!
Sem mais demora, o Manuel quitou um apito do peto e assobiou, mas nin-guém na casa sentiu nada, porque se tratava de ultrassons. Porém, a mosca bem ouviu aquele som e respondeu à chamada.
Saiu da esquina onde estava perfeitamente escondida e pousou numa pequena caixinha transparente que o Manuel já sustinha na mão, com algodões. Quando a mosca entrou nela, o Manuel tapou-a.
– Já está –dixo o Manuel–. São setenta euros, como lhe dixem.
A senhora recolheu o seu moedeiro e pagou, mas antes perguntou:
– E não me pode fazer uma rebaixinha? Este inverno, imos estar todos bem doentes por causa da mosca.
– Está bem, que sejam sessenta...
– E diga-me, como conseguiu com um simples apito atrair a mosca?
– São muitos anos de estudos, minha senhora. É um método científico patenteado por mim. Funciona perfeitamente, como vê. Que tenha um bom dia –cumprimentou o Manuel.
E foi-se diretamente. Mas quando já estava fora, o Manuel observou a mosca. Colheu a sua lupa e comprovou que o inseto conservava intacta a proteção que ele mesmo lhe fornecera com um verniz da sua invenção, que mantinha a calor corporal da mosca e que até filtrava o ar na sua cabeça para não respirar aerossóis; parecia uma mosca astronauta. Depois, abriu a caixinha e dixo à mosca em tom mequeiro:
– Como está a minha menina preferida, como está ela?
E a mosca lançou-se a voar ao redor do seu nariz, zumbando com alegria, como se fosse um cão, mas sem mexer no rabo.
Texto: Frantz Ferentz, 2015
Desenhos: Valadouro, 2015
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