quinta-feira, julho 30, 2015

O MISTÉRIO DO TELEMÓVEL DA CARMINHA [+12 anos]

    A oferta soava muito bem: telemóvel nem só inteligente, mas também ultrassensível. A tecnologia estava a avançar a um ritmo que ia conseguir que os telemóveis tomassem as suas próprias decisões.
    Talvez fosse por isso que a Carminha decidiu finalmente mudar o seu velho aparelho. Era escandalosamente velho, tinha três anos e com umha antiguidade assim nom conseguiria falar bem logo com ninguém. Além, disso os filhos da Carminha insistiam-lhe para finalmente mudar aquele aparelho e até a acompanhárom à loja de telemóveis para comprar aquele modelo que tanto anunciavam e que se podia pagar em cómodos prazos durante vinte anos.
    O vendedor, um tipo expelido e de compridos bigodes, sabia bem fazer o seu trabalho. Tinha umha verba ligeira que lhe permitia falar sem tema durante três horas, o qual lhe era mui útil para vender telemóveis de última geraçom.
    — A melhor escolha, minha senhora —começou a explicar, enquanto os seus bigodes se moviam em cada extremo para um lado, como se tivessem vida independente—. Este telemóvel tem funçom auto-programável, retro-reciclável, com detector de idiotas, cronómetro inverso, bate-papo com sintonizador de voz... bom, tem de tudo, mas o melhor é a sua extrema sensibilidade, que fai, por exemplo, que quando a senhora chame por ele, mesmo estando desligado, se ligue automaticamente e responda o que a senhora quiser. A frase que vem por defeito é: “Estou aqui, carinho...”, com voz de homem o de mulher segundo corresponda.
    — Mamã, este telemóvel é perfeito para ti.
    — Pode ser, mas a mim já me chega com que serva para falar. Pode-se falar por ele?
    — Á, senhora, fala-se até do revês com uma aplicaçom que leva aqui que...
    — Deixe estar, enfim, vou levá-lo. 
    A Carminha levou o telemóvel para a casa. Assim que estevo, abriu a caixa que o continha, colocou a bateria e asinha o telemóvel começou a funcionar. Prendeu-se umha pantalha de boas-vindas e umha voz delicada, insinuante, dixo:
    – Olá, eu sou o seu novo telemóvel Pinkio 415. Estou feliz de poder servir-lhe. Prema na pantalha para começar a minha configuraçom.
    A Carminha premeu, porque ela era mui formal. E entom do aparelho saiu um som bem estranho, um som que soava como “gligligli” sem qualquer resultado. A seguir, a mesma voz sensual repetiu a ordem:
    — Prema na pantalha para começar a minha configuraçom.
    A Carminha tocou e novamente soou o “gligligli”.
    Estevo assim tempo demais, entre tocar a pantalha e o “gligligli” que soava todo o tempo sem poder avançar. Desesperada, a Carminha recolheu o telemóvel e levou-no à loja, onde o simpático vendedor dos bigodes com pontas independentes a acolheu com um sorriso que desafiava todas as leis da natureza.
    — Diga, minha senhora, algum problema com o seu novo telemóvel?
    — Que nom o dou configurado. Poderia provar vostê?
    — Claro.
    O vendedor do bigode premeu na pantalha e soou um clink que asinha ativou tudo. Depois de atravessar várias pantalhas, pediu à Carminha:
    — Senhora, continue vostê.
    A Carminha premeu e voltou a ouvir-se o “gligligli” de antes. Aí o sorriso do vendedor desapareceu de tudo. Ele mesmo premeu e concluiu a configuraçom. Depois voltou a pedir à Carminha que premesse ela a pantalha.
    Novamente soou aquele “gligligli” e o telemóvel nom reagia. Porém, se tocava o vendedor, tudo corria perfeitamente, mas quando tocava a Carminha, apenas soava aquele ruído e o telemóvel nom funcionava, até se escurecia durante umhas décimas de segundo.
    — Nom entendo nada —confessou o vendedor que, pola primeira vez nem só em toda a sua carreira, mas mesmo em toda a sua vida, quedava sem palavras.
    Porém, na mente da Carminha fezo-se a luz.
    — Nom dixo que este telemóvel é ultrassensível como nengum outro até agora?
    — Dixem.
    — Entom, já entendo o que lhe acontece. Vostê preme com força nele, mas eu fago-o suave, por isso provoco nele uma sensaçom que vostê nom provoca.
    — A qual, minha senhora?
    — Côxegas.

Texto: Frantz Ferentz, 2015
Imagem: Valadouro, 2015

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